A cena é cada vez mais comum: alguém em frente ao mar, notebook aberto, cumprindo tarefas profissionais entre um café local e um mergulho. O nomadismo digital, que já foi privilégio de poucos, virou símbolo de um novo tempo. A ideia de trabalhar de qualquer lugar, com liberdade geográfica e autonomia, vem atraindo profissionais de diferentes áreas, em especial da economia digital. Mas nem tudo são palmeiras e wi-fi. Junto com o fascínio, surgem também dilemas reais, pouco romantizados, que merecem atenção.
O avanço do trabalho remoto e das ferramentas digitais tornou possível esse modelo de vida e carreira. De freelancers a fundadores de startups, muitos perceberam que podiam trocar o escritório fixo por uma mala de mão. E mais do que uma mudança de endereço, o nomadismo digital representa uma nova lógica: menos amarras, mais escolhas. Para alguns, é a chance de unir trabalho e experiências culturais; para outros, é uma resposta à busca por mais propósito e equilíbrio.
Para a PhD em Management Engineering e especialista em empreendedorismo internacional e inovação, Sarah Venturim Lasso, os ganhos são evidentes. “Flexibilidade de horário, custo de vida controlável, contato com outras culturas, estímulo à criatividade e crescimento pessoal. Trabalhar viajando pode ser uma escola poderosa. Desenvolve habilidades como adaptabilidade, autonomia, foco e gestão do tempo. Também amplia o networking, expande horizontes profissionais e estimula o desapego de estruturas rígidas”, explica.
Mas nem tudo são vantagens. O nomadismo digital também cobra seu preço. A ausência de rotina fixa pode ser desafiadora para quem depende de estrutura e estabilidade. A solidão é um dos aspectos mais citados por nômades experientes: construir relações profundas se torna mais difícil quando tudo muda o tempo todo. Há ainda o cansaço de estar constantemente em trânsito, a dificuldade de separar vida pessoal e profissional, e a necessidade constante de planejamento.
Outro ponto crítico é o pertencimento. Em uma vida em constante movimento, onde se cria raízes? Onde se constrói comunidade? E quando tudo é remoto, como lidar com a sensação de dispersão, de que o trabalho nunca acaba? Sem contar os limites práticos: fusos horários incompatíveis, internet instável, burocracia para vistos e tributações que mudam de país para país.
Além disso, é importante reconhecer que o nomadismo digital ainda é um privilégio de poucos. Requer recursos, planejamento, segurança digital e uma rede mínima de apoio. Para muitos brasileiros, a possibilidade de trabalhar de qualquer lugar ainda está distante. O desafio futuro será tornar esse modelo mais acessível, estruturado e sustentável, sem cair na armadilha de vendê-lo como um estilo de vida idealizado.
“Apesar dos desafios, o nomadismo digital veio para ficar. Não como solução universal, mas como uma alternativa legítima dentro da diversidade de trajetórias profissionais contemporâneas. Trabalhar do mundo é, para alguns, liberdade. Para outros, uma transição. E para todos, um convite à reflexão sobre o que realmente importa: estar presente, ter propósito e construir uma carreira que faça sentido, onde quer que se esteja”, conclui Sarah.
Sarah Venturim Lasso
PhD em Management Engineering pela Technical University of Denmark (DTU) e pós-doutora em Administração pela Fucape Business School. Consultora de negócios, especialista em empreendedorismo internacional e inovação.