Por Juliano Rosa, músico especialista em neurociência*
A música é uma das formas mais profundas de expressão humana. Ela acompanha o indivíduo desde os primeiros anos de vida e se torna um elemento essencial na construção da identidade, especialmente durante a adolescência. Porém, em meio à evolução da indústria musical, surge a preocupação: até que ponto as composições mais explícitas influenciam o desenvolvimento cognitivo e emocional dos jovens?
É importante ressaltar que essa reflexão não é uma crítica a estilos musicais específicos. O ponto é que a adolescência é uma fase de intensa transformação, tanto emocional quanto neurológica. Nela, o cérebro está em um estágio de alta plasticidade, tornando-se extremamente receptivo a influências externas, incluindo as mensagens transmitidas pela mídia e pela música. É frequente que algumas canções possam reforçar comportamentos prejudiciais, como objetificação, relações superficiais, violência, sexualização precoce e a busca por prazeres imediatos.
O sistema límbico, região do cérebro ligada às emoções e à impulsividade, está em plena atividade durante a adolescência. Por outro lado, o córtex pré-frontal, responsável pelo controle de impulsos e pela tomada de decisões, ainda está em desenvolvimento. Isso significa que, ao serem constantemente expostos a letras que reforçam padrões negativos de comportamento, os adolescentes podem internalizar essas mensagens e replicá-las na vida cotidiana. Um estudo da Universidade de Cambridge aponta que a música tem um impacto significativo na formação da identidade, sendo capaz de influenciar comportamentos a longo prazo, especialmente quando associada a experiências emocionais intensas.
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A influência das canções na juventude vai além do entretenimento, pois a repetição de certos temas reforça crenças limitantes e perpetua estereótipos nocivos. Um estudo da Universidade de Stanford revelou que a exposição prolongada a conteúdos que promovem sexualização precoce e violência pode levar a uma maior impulsividade e maior propensão a tomadas de decisões arriscadas. Além disso, uma pesquisa da Universidade de São Paulo revelou que 75% dos jovens acreditam que a música influencia percepções sobre relacionamento e comportamento social, especialmente quando as preferências incluem letras explícitas.
No entanto, isso não significa que seja preciso censurar ou banir determinados gêneros musicais. A solução está na educação e na consciência sobre o que se consome. Uma abordagem eficaz é incentivar a diversidade musical e expor os jovens a canções que promovam valores como autoestima, resiliência e conexão interpessoal saudável. Estudos publicados na JAMA Network Open demonstram que ouvir composições que enfatizam gratidão e emoções positivas melhora o humor e favorece melhores tomadas de decisão a longo prazo. Introduzir playlists equilibradas, com diferentes ritmos e mensagens construtivas, é uma estratégia valiosa para alcançar a harmonia.
Outra medida fundamental é fomentar o pensamento crítico. Discutir o significado das letras, compreender as mensagens subentendidas e refletir sobre o impacto no comportamento são formas de tornar o consumo musical mais consciente. Famílias e educadores podem ajudar a fortalecer um ambiente de diálogo, permitindo que os adolescentes escolham o que ouvir de maneira mais informada.
A música é uma ferramenta poderosa, capaz de inspirar, educar e transformar. Existe a necessidade de usar esse potencial a favor do desenvolvimento juvenil, criando espaços para que a arte possa ser um canal de reflexão, crescimento e fortalecimento de valores construtivos. Se a meta é um futuro onde os jovens tenham mais empatia, responsabilidade e visão crítica, deve-se ter atenção na trilha sonora que os acompanha durante essa fase tão importante da vida.