Há 10 anos, mulheres brasileiras que atuavam invisíveis no mercado do café se uniram para reivindicar protagonismo e reconhecimento por sua contribuição para o Brasil se tornar o maior produtor de café do mundo. Com foco inicial no campo, essas mulheres fundaram a Aliança Internacional das Mulheres do Café Brasil (IWCA Brasil), que completou 10 anos este ano e teve seu trabalho celebrado em um café da manhã hoje (12), último dia da Semana Internacional do Café (SIC), em Belo Horizonte.
A presidente da IWCA, produtora de cafés especiais Miriam Monteiro de Aguiar, lembra que a história do café é marcada por processos de exclusão como a escravidão e o patriarcalismo, “mas as mulheres sempre foram parte importante de todos elos da cadeia cafeeira”.
“A IWCA nasceu em um espaço que não existia nada. Era um deserto, e a gente semeava em um deserto. Era um ambiente de protagonismo masculino tradicionalmente, em que as mulheres invisíveis sustentavam negócios e participavam ativamente do processo, mas se julgavam coadjuvantes e ajudantes”, disse Miriam Aguiar.
A associação foi fundada no Brasil oito anos depois de o movimento ter começado globalmente, diferença de tempo que Miriam atribui a essa tradição masculina no café. “A gente vem de um cenário em que a gente ouvia dizer, inclusive em publicações, que não existiam mulheres no café do Brasil, que era um café de homens e máquinas, quando na verdade a maioria dos produtores são familiares e você tem mulheres em todo o processo”.
Desde então, a associação firmou parcerias para capacitação e inserção das mulheres em posições de protagonismo, e Miriam acredita que foi possível construir um lugar de identidade da mulher na cafeicultura, seja no campo ou na cidade.
“Não existe sustentabilidade sem diversidade. Isso a gente fala para a diversidade do solo, na agricultura, e, na sociedade, a gente também é assim com a diversidade de gênero, a diversidade de raça. Então a gente é atravessado por essas questões todas” disse a presidente da IWCA, que quer ampliar o papel da instituição no enfrentamento da violência de gênero.
“Queremos trazer questões que ficam debaixo do tapete, como questões de violência contra a mulher, explícitas e sutis, que operam nesse sistema. Nos próximos anos, nossa meta é colocar foco no que fica encoberto”, defende.
Como associação global, a IWCA tem um papel de colocar as mulheres brasileiras em contato com mulheres do café de outros 24 países, o que Miriam conta que foi fundamental para que ela própria pudesse ousar exportar seus cafés.
“É muito importante quando você visualiza espaços que você pode alcançar. Isso amplia seu campo de atuação”.
Publicações
A IWCA aproveitou o público da Semana Internacional do Café para lançar publicações dedicadas à capacitação das mulheres na cadeia do café. Entre os trabalhos está um guia prático que ensina grupos informais de trabalhadoras rurais a formarem uma cooperativa formal com equidade de gênero e um catálogo de competências para atingir sucesso nas diferentes áreas do mercado do café.
A ex-consultora da ONU Mulheres Helga Andrade, que ajudou na preparação desses materiais, explica que, por questões culturais e sociais, muitas vezes mulheres têm dificuldade de desenvolver competências que podem ser úteis durante a carreira, principalmente diante de ambientes de maioria masculina.
“Por exemplo, se eu for abrir uma torrefação, que tipo de competência eu tenho que desenvolver para ser bem sucedida? Tem uma série de competências que muitas vezes não passam pela nossa cabeça. Não tem a ver só com torrar café, tem a ver com comportamento e como a gente se apresenta para o mercado. E, muitas vezes, pela nossa história de vida, a gente não tem acesso a esse conhecimento”, diz a ex-consultora da ONU Mulheres.
“Principalmente no meio rural, existe uma certa expectativa de comportamentos que são femininos, e isso muitas vezes vem da nossa família. A gente escuta muito de produtoras e profissionais que têm dificuldade de se posicionar dentro de grupos majoritariamente de homens ou exclusivos de homens. E a gente fala de diferentes formas de se posicionar nesses espaços e entender a mecânica do mercado”.
Para dar seus próximos passos, a instituição já iniciou a aplicação de um novo questionário que vai buscar dados sobre o perfil das mulheres do café, do campo às cafeterias. A pesquisa foi realizada pela primeira vez em 2016 com quase mil mulheres e foi a base para parcerias como a da ONU Mulheres, que possibilitou projetos como os guias lançados hoje.
Pesquisadora do Instituto Federal do Sudeste de Minas e diretora de pesquisa da IWCA, Danielle Baliza diz que o questionário desta vez busca dados mais completos sobre raça e abre o espaço para relatos de violência de gênero. Ela afirma que os trabalhos construídos a partir do primeiro questionário permitiram contrapor uma visão, inclusive no exterior, de que a cafeicultura no Brasil era feita por homens e máquinas.
“Com esses dados, a gente conseguiu trazer mais recursos e promover mais ações para essas mulheres. Para que isso não acabe, estamos lançando o questionário 2.0. Não temos um tipo de perfil. Temos vários tipos de perfil. Eu apliquei mais de 200 questionários com apanhadoras de café, e são as mulheres que mais precisam de políticas públicas. Quase 60% não tinham completado o nono ano do ensino fundamental, e a renda anual não chega a um salário mínimo, porque elas têm o trabalho formal no período da colheita e depois realizam trabalhos informais”.
Outro ponto que a pesquisadora espera aprimorar na nova pesquisa é a participação das mulheres que trabalham na parte urbana da cadeia do café. “Estamos indo atrás dessas mulheres, e precisamos de dados delas para que a gente possa ser também a voz dessas mulheres”, diz. O questionário está disponível na página da IWCA na internet e no perfil no Instagram.
Os 10 anos da IWCA serão tema de uma exposição inicialmente virtual no Museu do Café, em Santos. Diretora executiva do museu, Alessandra Almeida disse que é emblemática a realização dessa exposição no prédio, que abrigou a Bolsa Oficial de Café até os anos 1950. Na época, a presença de mulheres no local era proibida.
“Mesmo que houvesse fazendeiras e operárias, elas não podiam ter voz e só podiam ser ouvidas por intermédio de uma voz masculina”, disse a diretora do museu, que pretende inserir a IWCA em uma exposição presencial em 2022. “É muito importante falar da mulher naquele espaço, do quanto ela contribuiu para esse processo e de como ela amplia hoje a sua atuação”.
* O repórter viajou a convite da organização da Semana Internacional do Café
Há 10 anos, mulheres brasileiras que atuavam invisíveis no mercado do café se uniram para reivindicar protagonismo e reconhecimento por sua contribuição para o Brasil se tornar o maior produtor de café do mundo. Com foco inicial no campo, essas mulheres fundaram a Aliança Internacional das Mulheres do Café Brasil (IWCA Brasil), que completou 10 anos este ano e teve seu trabalho celebrado em um café da manhã hoje (12), último dia da Semana Internacional do Café (SIC), em Belo Horizonte.
A presidente da IWCA, produtora de cafés especiais Miriam Monteiro de Aguiar, lembra que a história do café é marcada por processos de exclusão como a escravidão e o patriarcalismo, “mas as mulheres sempre foram parte importante de todos elos da cadeia cafeeira”.
“A IWCA nasceu em um espaço que não existia nada. Era um deserto, e a gente semeava em um deserto. Era um ambiente de protagonismo masculino tradicionalmente, em que as mulheres invisíveis sustentavam negócios e participavam ativamente do processo, mas se julgavam coadjuvantes e ajudantes”, disse Miriam Aguiar.
A associação foi fundada no Brasil oito anos depois de o movimento ter começado globalmente, diferença de tempo que Miriam atribui a essa tradição masculina no café. “A gente vem de um cenário em que a gente ouvia dizer, inclusive em publicações, que não existiam mulheres no café do Brasil, que era um café de homens e máquinas, quando na verdade a maioria dos produtores são familiares e você tem mulheres em todo o processo”.
Desde então, a associação firmou parcerias para capacitação e inserção das mulheres em posições de protagonismo, e Miriam acredita que foi possível construir um lugar de identidade da mulher na cafeicultura, seja no campo ou na cidade.
“Não existe sustentabilidade sem diversidade. Isso a gente fala para a diversidade do solo, na agricultura, e, na sociedade, a gente também é assim com a diversidade de gênero, a diversidade de raça. Então a gente é atravessado por essas questões todas” disse a presidente da IWCA, que quer ampliar o papel da instituição no enfrentamento da violência de gênero.
“Queremos trazer questões que ficam debaixo do tapete, como questões de violência contra a mulher, explícitas e sutis, que operam nesse sistema. Nos próximos anos, nossa meta é colocar foco no que fica encoberto”, defende.
Como associação global, a IWCA tem um papel de colocar as mulheres brasileiras em contato com mulheres do café de outros 24 países, o que Miriam conta que foi fundamental para que ela própria pudesse ousar exportar seus cafés.
“É muito importante quando você visualiza espaços que você pode alcançar. Isso amplia seu campo de atuação”.
Publicações
A IWCA aproveitou o público da Semana Internacional do Café para lançar publicações dedicadas à capacitação das mulheres na cadeia do café. Entre os trabalhos está um guia prático que ensina grupos informais de trabalhadoras rurais a formarem uma cooperativa formal com equidade de gênero e um catálogo de competências para atingir sucesso nas diferentes áreas do mercado do café.
A ex-consultora da ONU Mulheres Helga Andrade, que ajudou na preparação desses materiais, explica que, por questões culturais e sociais, muitas vezes mulheres têm dificuldade de desenvolver competências que podem ser úteis durante a carreira, principalmente diante de ambientes de maioria masculina.
“Por exemplo, se eu for abrir uma torrefação, que tipo de competência eu tenho que desenvolver para ser bem sucedida? Tem uma série de competências que muitas vezes não passam pela nossa cabeça. Não tem a ver só com torrar café, tem a ver com comportamento e como a gente se apresenta para o mercado. E, muitas vezes, pela nossa história de vida, a gente não tem acesso a esse conhecimento”, diz a ex-consultora da ONU Mulheres.
“Principalmente no meio rural, existe uma certa expectativa de comportamentos que são femininos, e isso muitas vezes vem da nossa família. A gente escuta muito de produtoras e profissionais que têm dificuldade de se posicionar dentro de grupos majoritariamente de homens ou exclusivos de homens. E a gente fala de diferentes formas de se posicionar nesses espaços e entender a mecânica do mercado”.
Para dar seus próximos passos, a instituição já iniciou a aplicação de um novo questionário que vai buscar dados sobre o perfil das mulheres do café, do campo às cafeterias. A pesquisa foi realizada pela primeira vez em 2016 com quase mil mulheres e foi a base para parcerias como a da ONU Mulheres, que possibilitou projetos como os guias lançados hoje.
Pesquisadora do Instituto Federal do Sudeste de Minas e diretora de pesquisa da IWCA, Danielle Baliza diz que o questionário desta vez busca dados mais completos sobre raça e abre o espaço para relatos de violência de gênero. Ela afirma que os trabalhos construídos a partir do primeiro questionário permitiram contrapor uma visão, inclusive no exterior, de que a cafeicultura no Brasil era feita por homens e máquinas.
“Com esses dados, a gente conseguiu trazer mais recursos e promover mais ações para essas mulheres. Para que isso não acabe, estamos lançando o questionário 2.0. Não temos um tipo de perfil. Temos vários tipos de perfil. Eu apliquei mais de 200 questionários com apanhadoras de café, e são as mulheres que mais precisam de políticas públicas. Quase 60% não tinham completado o nono ano do ensino fundamental, e a renda anual não chega a um salário mínimo, porque elas têm o trabalho formal no período da colheita e depois realizam trabalhos informais”.
Outro ponto que a pesquisadora espera aprimorar na nova pesquisa é a participação das mulheres que trabalham na parte urbana da cadeia do café. “Estamos indo atrás dessas mulheres, e precisamos de dados delas para que a gente possa ser também a voz dessas mulheres”, diz. O questionário está disponível na página da IWCA na internet e no perfil no Instagram.
Os 10 anos da IWCA serão tema de uma exposição inicialmente virtual no Museu do Café, em Santos. Diretora executiva do museu, Alessandra Almeida disse que é emblemática a realização dessa exposição no prédio, que abrigou a Bolsa Oficial de Café até os anos 1950. Na época, a presença de mulheres no local era proibida.
“Mesmo que houvesse fazendeiras e operárias, elas não podiam ter voz e só podiam ser ouvidas por intermédio de uma voz masculina”, disse a diretora do museu, que pretende inserir a IWCA em uma exposição presencial em 2022. “É muito importante falar da mulher naquele espaço, do quanto ela contribuiu para esse processo e de como ela amplia hoje a sua atuação”.
* O repórter viajou a convite da organização da Semana Internacional do Café
Há 10 anos, mulheres brasileiras que atuavam invisíveis no mercado do café se uniram para reivindicar protagonismo e reconhecimento por sua contribuição para o Brasil se tornar o maior produtor de café do mundo. Com foco inicial no campo, essas mulheres fundaram a Aliança Internacional das Mulheres do Café Brasil (IWCA Brasil), que completou 10 anos este ano e teve seu trabalho celebrado em um café da manhã hoje (12), último dia da Semana Internacional do Café (SIC), em Belo Horizonte.
A presidente da IWCA, produtora de cafés especiais Miriam Monteiro de Aguiar, lembra que a história do café é marcada por processos de exclusão como a escravidão e o patriarcalismo, “mas as mulheres sempre foram parte importante de todos elos da cadeia cafeeira”.
“A IWCA nasceu em um espaço que não existia nada. Era um deserto, e a gente semeava em um deserto. Era um ambiente de protagonismo masculino tradicionalmente, em que as mulheres invisíveis sustentavam negócios e participavam ativamente do processo, mas se julgavam coadjuvantes e ajudantes”, disse Miriam Aguiar.
A associação foi fundada no Brasil oito anos depois de o movimento ter começado globalmente, diferença de tempo que Miriam atribui a essa tradição masculina no café. “A gente vem de um cenário em que a gente ouvia dizer, inclusive em publicações, que não existiam mulheres no café do Brasil, que era um café de homens e máquinas, quando na verdade a maioria dos produtores são familiares e você tem mulheres em todo o processo”.
Desde então, a associação firmou parcerias para capacitação e inserção das mulheres em posições de protagonismo, e Miriam acredita que foi possível construir um lugar de identidade da mulher na cafeicultura, seja no campo ou na cidade.
“Não existe sustentabilidade sem diversidade. Isso a gente fala para a diversidade do solo, na agricultura, e, na sociedade, a gente também é assim com a diversidade de gênero, a diversidade de raça. Então a gente é atravessado por essas questões todas” disse a presidente da IWCA, que quer ampliar o papel da instituição no enfrentamento da violência de gênero.
“Queremos trazer questões que ficam debaixo do tapete, como questões de violência contra a mulher, explícitas e sutis, que operam nesse sistema. Nos próximos anos, nossa meta é colocar foco no que fica encoberto”, defende.
Como associação global, a IWCA tem um papel de colocar as mulheres brasileiras em contato com mulheres do café de outros 24 países, o que Miriam conta que foi fundamental para que ela própria pudesse ousar exportar seus cafés.
“É muito importante quando você visualiza espaços que você pode alcançar. Isso amplia seu campo de atuação”.
Publicações
A IWCA aproveitou o público da Semana Internacional do Café para lançar publicações dedicadas à capacitação das mulheres na cadeia do café. Entre os trabalhos está um guia prático que ensina grupos informais de trabalhadoras rurais a formarem uma cooperativa formal com equidade de gênero e um catálogo de competências para atingir sucesso nas diferentes áreas do mercado do café.
A ex-consultora da ONU Mulheres Helga Andrade, que ajudou na preparação desses materiais, explica que, por questões culturais e sociais, muitas vezes mulheres têm dificuldade de desenvolver competências que podem ser úteis durante a carreira, principalmente diante de ambientes de maioria masculina.
“Por exemplo, se eu for abrir uma torrefação, que tipo de competência eu tenho que desenvolver para ser bem sucedida? Tem uma série de competências que muitas vezes não passam pela nossa cabeça. Não tem a ver só com torrar café, tem a ver com comportamento e como a gente se apresenta para o mercado. E, muitas vezes, pela nossa história de vida, a gente não tem acesso a esse conhecimento”, diz a ex-consultora da ONU Mulheres.
“Principalmente no meio rural, existe uma certa expectativa de comportamentos que são femininos, e isso muitas vezes vem da nossa família. A gente escuta muito de produtoras e profissionais que têm dificuldade de se posicionar dentro de grupos majoritariamente de homens ou exclusivos de homens. E a gente fala de diferentes formas de se posicionar nesses espaços e entender a mecânica do mercado”.
Para dar seus próximos passos, a instituição já iniciou a aplicação de um novo questionário que vai buscar dados sobre o perfil das mulheres do café, do campo às cafeterias. A pesquisa foi realizada pela primeira vez em 2016 com quase mil mulheres e foi a base para parcerias como a da ONU Mulheres, que possibilitou projetos como os guias lançados hoje.
Pesquisadora do Instituto Federal do Sudeste de Minas e diretora de pesquisa da IWCA, Danielle Baliza diz que o questionário desta vez busca dados mais completos sobre raça e abre o espaço para relatos de violência de gênero. Ela afirma que os trabalhos construídos a partir do primeiro questionário permitiram contrapor uma visão, inclusive no exterior, de que a cafeicultura no Brasil era feita por homens e máquinas.
“Com esses dados, a gente conseguiu trazer mais recursos e promover mais ações para essas mulheres. Para que isso não acabe, estamos lançando o questionário 2.0. Não temos um tipo de perfil. Temos vários tipos de perfil. Eu apliquei mais de 200 questionários com apanhadoras de café, e são as mulheres que mais precisam de políticas públicas. Quase 60% não tinham completado o nono ano do ensino fundamental, e a renda anual não chega a um salário mínimo, porque elas têm o trabalho formal no período da colheita e depois realizam trabalhos informais”.
Outro ponto que a pesquisadora espera aprimorar na nova pesquisa é a participação das mulheres que trabalham na parte urbana da cadeia do café. “Estamos indo atrás dessas mulheres, e precisamos de dados delas para que a gente possa ser também a voz dessas mulheres”, diz. O questionário está disponível na página da IWCA na internet e no perfil no Instagram.
Os 10 anos da IWCA serão tema de uma exposição inicialmente virtual no Museu do Café, em Santos. Diretora executiva do museu, Alessandra Almeida disse que é emblemática a realização dessa exposição no prédio, que abrigou a Bolsa Oficial de Café até os anos 1950. Na época, a presença de mulheres no local era proibida.
“Mesmo que houvesse fazendeiras e operárias, elas não podiam ter voz e só podiam ser ouvidas por intermédio de uma voz masculina”, disse a diretora do museu, que pretende inserir a IWCA em uma exposição presencial em 2022. “É muito importante falar da mulher naquele espaço, do quanto ela contribuiu para esse processo e de como ela amplia hoje a sua atuação”.
* O repórter viajou a convite da organização da Semana Internacional do Café
Há 10 anos, mulheres brasileiras que atuavam invisíveis no mercado do café se uniram para reivindicar protagonismo e reconhecimento por sua contribuição para o Brasil se tornar o maior produtor de café do mundo. Com foco inicial no campo, essas mulheres fundaram a Aliança Internacional das Mulheres do Café Brasil (IWCA Brasil), que completou 10 anos este ano e teve seu trabalho celebrado em um café da manhã hoje (12), último dia da Semana Internacional do Café (SIC), em Belo Horizonte.
A presidente da IWCA, produtora de cafés especiais Miriam Monteiro de Aguiar, lembra que a história do café é marcada por processos de exclusão como a escravidão e o patriarcalismo, “mas as mulheres sempre foram parte importante de todos elos da cadeia cafeeira”.
“A IWCA nasceu em um espaço que não existia nada. Era um deserto, e a gente semeava em um deserto. Era um ambiente de protagonismo masculino tradicionalmente, em que as mulheres invisíveis sustentavam negócios e participavam ativamente do processo, mas se julgavam coadjuvantes e ajudantes”, disse Miriam Aguiar.
A associação foi fundada no Brasil oito anos depois de o movimento ter começado globalmente, diferença de tempo que Miriam atribui a essa tradição masculina no café. “A gente vem de um cenário em que a gente ouvia dizer, inclusive em publicações, que não existiam mulheres no café do Brasil, que era um café de homens e máquinas, quando na verdade a maioria dos produtores são familiares e você tem mulheres em todo o processo”.
Desde então, a associação firmou parcerias para capacitação e inserção das mulheres em posições de protagonismo, e Miriam acredita que foi possível construir um lugar de identidade da mulher na cafeicultura, seja no campo ou na cidade.
“Não existe sustentabilidade sem diversidade. Isso a gente fala para a diversidade do solo, na agricultura, e, na sociedade, a gente também é assim com a diversidade de gênero, a diversidade de raça. Então a gente é atravessado por essas questões todas” disse a presidente da IWCA, que quer ampliar o papel da instituição no enfrentamento da violência de gênero.
“Queremos trazer questões que ficam debaixo do tapete, como questões de violência contra a mulher, explícitas e sutis, que operam nesse sistema. Nos próximos anos, nossa meta é colocar foco no que fica encoberto”, defende.
Como associação global, a IWCA tem um papel de colocar as mulheres brasileiras em contato com mulheres do café de outros 24 países, o que Miriam conta que foi fundamental para que ela própria pudesse ousar exportar seus cafés.
“É muito importante quando você visualiza espaços que você pode alcançar. Isso amplia seu campo de atuação”.
Publicações
A IWCA aproveitou o público da Semana Internacional do Café para lançar publicações dedicadas à capacitação das mulheres na cadeia do café. Entre os trabalhos está um guia prático que ensina grupos informais de trabalhadoras rurais a formarem uma cooperativa formal com equidade de gênero e um catálogo de competências para atingir sucesso nas diferentes áreas do mercado do café.
A ex-consultora da ONU Mulheres Helga Andrade, que ajudou na preparação desses materiais, explica que, por questões culturais e sociais, muitas vezes mulheres têm dificuldade de desenvolver competências que podem ser úteis durante a carreira, principalmente diante de ambientes de maioria masculina.
“Por exemplo, se eu for abrir uma torrefação, que tipo de competência eu tenho que desenvolver para ser bem sucedida? Tem uma série de competências que muitas vezes não passam pela nossa cabeça. Não tem a ver só com torrar café, tem a ver com comportamento e como a gente se apresenta para o mercado. E, muitas vezes, pela nossa história de vida, a gente não tem acesso a esse conhecimento”, diz a ex-consultora da ONU Mulheres.
“Principalmente no meio rural, existe uma certa expectativa de comportamentos que são femininos, e isso muitas vezes vem da nossa família. A gente escuta muito de produtoras e profissionais que têm dificuldade de se posicionar dentro de grupos majoritariamente de homens ou exclusivos de homens. E a gente fala de diferentes formas de se posicionar nesses espaços e entender a mecânica do mercado”.
Para dar seus próximos passos, a instituição já iniciou a aplicação de um novo questionário que vai buscar dados sobre o perfil das mulheres do café, do campo às cafeterias. A pesquisa foi realizada pela primeira vez em 2016 com quase mil mulheres e foi a base para parcerias como a da ONU Mulheres, que possibilitou projetos como os guias lançados hoje.
Pesquisadora do Instituto Federal do Sudeste de Minas e diretora de pesquisa da IWCA, Danielle Baliza diz que o questionário desta vez busca dados mais completos sobre raça e abre o espaço para relatos de violência de gênero. Ela afirma que os trabalhos construídos a partir do primeiro questionário permitiram contrapor uma visão, inclusive no exterior, de que a cafeicultura no Brasil era feita por homens e máquinas.
“Com esses dados, a gente conseguiu trazer mais recursos e promover mais ações para essas mulheres. Para que isso não acabe, estamos lançando o questionário 2.0. Não temos um tipo de perfil. Temos vários tipos de perfil. Eu apliquei mais de 200 questionários com apanhadoras de café, e são as mulheres que mais precisam de políticas públicas. Quase 60% não tinham completado o nono ano do ensino fundamental, e a renda anual não chega a um salário mínimo, porque elas têm o trabalho formal no período da colheita e depois realizam trabalhos informais”.
Outro ponto que a pesquisadora espera aprimorar na nova pesquisa é a participação das mulheres que trabalham na parte urbana da cadeia do café. “Estamos indo atrás dessas mulheres, e precisamos de dados delas para que a gente possa ser também a voz dessas mulheres”, diz. O questionário está disponível na página da IWCA na internet e no perfil no Instagram.
Os 10 anos da IWCA serão tema de uma exposição inicialmente virtual no Museu do Café, em Santos. Diretora executiva do museu, Alessandra Almeida disse que é emblemática a realização dessa exposição no prédio, que abrigou a Bolsa Oficial de Café até os anos 1950. Na época, a presença de mulheres no local era proibida.
“Mesmo que houvesse fazendeiras e operárias, elas não podiam ter voz e só podiam ser ouvidas por intermédio de uma voz masculina”, disse a diretora do museu, que pretende inserir a IWCA em uma exposição presencial em 2022. “É muito importante falar da mulher naquele espaço, do quanto ela contribuiu para esse processo e de como ela amplia hoje a sua atuação”.
* O repórter viajou a convite da organização da Semana Internacional do Café