Nos últimos anos, a ideia de “trabalhar com propósito” se tornou um dos lemas mais repetidos no universo profissional. Nas redes sociais, nas palestras, nos podcasts, tudo gira em torno de encontrar sentido no que se faz. E, de fato, há algo poderoso nessa busca: ninguém quer passar a vida fazendo algo que não acredita. Mas por trás desse discurso inspirador, há também uma pergunta incômoda que precisa ser feita com honestidade: trabalhar com propósito paga as contas?
De acordo com Sarah Venturim Lasso, PhD em Management Engineering e consultora de negócios, especialista em empreendedorismo internacional e inovação, a romantização do propósito corre o risco de transformar um conceito importante em uma ilusão vendida como regra universal.
“A verdade é que, muitas vezes, o trabalho com propósito não vem acompanhado de estabilidade, segurança ou renda suficiente. Empreendedores sociais, profissionais criativos, educadores, artistas e tantas outras pessoas que dedicam sua energia a causas transformadoras sabem disso. Trabalhar por algo maior não significa, automaticamente, uma vida financeira tranquila”, afirma.
Lasso ressalta que é preciso reconhecer que nem todos têm o privilégio de escolher pelo propósito. Ela completa que para muita gente, o trabalho ainda é, e continuará sendo, uma estratégia de sobrevivência.
“E está tudo bem. O problema começa quando se impõe a ideia de que só vale a pena trabalhar se for por paixão. Como se todo emprego que não transforma o mundo fosse indigno. Como se fosse errado apenas querer pagar o aluguel, garantir a escola dos filhos, respirar no fim do mês”, acrescenta a PhD.
Propósito em cargo ou setor?
O propósito não precisa estar apenas no cargo ou no setor. Ele pode estar na forma como se trabalha, nas relações que se constrói, no impacto cotidiano. Pode estar em fazer bem feito, em cuidar das pessoas, em manter um negócio honesto e responsável. Propósito não é um palco, é uma prática. E, muitas vezes, começa em silêncio.
Ainda assim, há um desafio real para quem decide seguir uma vocação: fazer disso algo sustentável. E aqui entram os dilemas mais difíceis. Como cobrar por um trabalho que você ama? Como precificar algo que tem valor simbólico? Como lidar com a culpa de querer viver bem mesmo atuando em uma causa nobre? A ideia de que o propósito e o dinheiro se excluem precisa ser superada. Uma carreira com sentido pode e deve ser financeiramente viável. Mas isso exige estratégia, planejamento, estrutura. Só paixão não basta.
Também é importante lembrar que propósito muda. Ele amadurece com o tempo, com as fases da vida, com os boletos que vencem todo mês. E não há vergonha nenhuma em ajustar a rota. Não há contradição entre fazer algo que você acredita e, ao mesmo tempo, buscar estabilidade. O discurso do “siga seu sonho a qualquer custo” precisa ser substituído por algo mais realista: siga seu sonho, sim, mas calcule bem os passos.
“Trabalhar com propósito é bonito. Mas é ainda mais bonito quando isso é feito com consciência, responsabilidade e sem a fantasia de que a paixão, sozinha, sustenta uma vida. A beleza está em equilibrar o que faz sentido com o que é possível. E, pouco a pouco, construir um caminho onde o propósito não seja um peso, mas uma escolha viável”, conclui Lasso.
Sarah Venturim Lasso
PhD em Management Engineering pela Technical University of Denmark (DTU) e pós-doutora em Administração pela Fucape Business School. Consultora de negócios, especialista em empreendedorismo internacional e inovação.