As eleições desse ano contaram com uma novidade: os partidos foram obrigados a usar recursos de forma proporcional para campanhas de candidatos negros. E, pela primeira vez na história, o número de candidatos autodeclarados negros foi maior do que o total de brancos. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 49,95% dos candidatos se consideraram pretos ou pardos (as duas opções que compõem a categoria “negros”, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Já os brancos, representaram 48,04% das candidaturas em 2020.
Na Assembleia Legislativa, o deputado estadual Pr. Marcos Mansur (PSDB) é o único autodeclarado de cor/raça pretajunto ao TSE. O parlamentar falou sobre o tema para o portal da Assembleia Legislativa (Ales), destacando a questão da representatividade política como um elemento fundamental nesse debate.
Mansur é formado em Ciências Agrícolas e Teologia, pós-graduado em Metodologia do Ensino Superior, e já foi professor do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes). É presidente da Igreja Batista Renovada de Cachoeiro de Itapemirim, município onde foi eleito vereador por dois mandatos (2008 e 2012). Na Ales, o parlamentar está em seu terceiro mandato (assumiu como suplente em 2013, e foi eleito em 2014 e 2018). Nas últimas eleições para o parlamento estadual, recebeu 13.697 votos.
O senhor é o único deputado da atual formação da Ales autodeclarado de cor/raça preta. De que forma esse tema está presente na sua trajetória de vida?
Eu me declarei preto muito antes da questão da lei eleitoral de incentivo à participação de candidaturas negras na política brasileira. Eu sempre assumi essa condição por conta da influência muito forte da minha mãe, de modo geral, da minha família materna. Meus avós maternos são negros, minha mãe é negra. Para mim, essa condição de consanguinidade negra sempre foi bem resolvida, é um motivo de orgulho, me trouxe a identidade. Aquilo que eu sou passa por aí, com muitas qualidades, muitos predicativos bons. Por exemplo, eu sou músico. Atribuo a minha musicalidade também a esse DNA negro. Sou extrovertido, alegre, espontâneo. Tenho certeza de que muitas coisas que eu considero positivas passam por essa genética e ajudaram a formar minha identidade, me afetando de forma muita positiva.
Em que medida considera essa questão central também na sua caminhada na política?
É um todo da minha identidade e formação. Eu descobri de forma muito natural, espontânea, que essa minha identidade me fez político, preocupado com as pessoas, sensível em relação às necessidades e demandas sociais. Sempre militei de forma natural, sem explorar diretamente a condição de ser negro.
A presença de negros em cargos de representação política é pequena no país. Não foi à toa que o TSE impôs regras, recentemente, para a distribuição de recursos para candidatos negros. Como o senhor avalia essa medida?
Esse incentivo em forma de lei é muito importante porque o Brasil tem um passivo muito grande para com os pretos e negros. Nós temos esse passado da escravidão forte e acho que a nação brasileira deve isso à população negra. E essa é uma ação nesse sentido de correção. O problema da participação dos negros não está apenas na política. Esse problema está em todas as áreas, por exemplo, na questão do emprego, na própria televisão. Se a gente conseguir aumentar a inserção dos negros na política, nós vamos também aumentar essa participação em outras áreas sociais.
Quais são os principais obstáculos dos candidatos pretos e como mudar essa realidade?
O primeiro desafio que o negro precisa vencer é o autopreconceito. O preconceito interno é pior do que o preconceito que vem de fora. Essa condição internalizada, o abaixar a cabeça, é o pior preconceito. E eu falo isso com muita propriedade. Então, primeiro, é passar por cima desse preconceito interno. E depois, precisamos dos dispositivos da lei para mudar essa realidade. Isso demanda um tempo para se institucionalizar. Mas, aos poucos, vamos chegar lá.
Como o senhor lida com o preconceito? Como não fazer dele um limitador?
Eu sempre lidei com a questão do preconceito de forma positiva. Você tem duas formas de lidar com isso. A negativa é aceitar e internalizar o preconceito, se render a ele e assumir que você é menor. O outro lado da moeda é se esforçar e lutar para mostrar justamente o contrário. Investir no potencial e talento. Sempre fui muito positivista sobre essa questão. Nunca aceitei, nunca me entreguei. É fazer disso uma meta de superação e jamais se render. Para mim, o preconceito serviu de estímulo: agora eu vou mostrar que não é desse jeito, vocês vão ter me engolir.
A condição de marginalização da população negra na sociedade brasileira é histórica e estrutural em nosso país. Como a política pode ser uma ferramenta de transformação?
Nós temos um problema estrutural na nossa formação social em relação aos negros. Chamar a atenção para o problema por meio da política faz dela um instrumento de emancipação na medida em que fortalece políticas públicas voltadas para essa população. Com o tempo, vamos ver os resultados com a ascensão dos negros na nossa pirâmide social. Com Ales.